Há mais de um século a assistência cirúrgica tem se destacado mundialmente como um componente essencial do cuidado em saúde, sendo frequentemente o único tratamento que pode aliviar as incapacidades e reduzir o risco de mortes causadas por patologias comuns. À medida que as incidências de traumas, cânceres e doenças cardiovasculares continuam a aumentar, cresce o impacto das intervenções cirúrgicas e procedimentos invasivos nos sistemas de saúde.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) publicados em 2008 no New England Journal of Medicine, revelam que em 2007 foram realizadas 234 milhões de cirurgias no mundo, correspondendo a uma operação para cada 25 pessoas. Neste mesmo estudo foi apresentado que dois milhões de pacientes evoluíram a óbito no período perioperatório e cerca de sete milhões apresentaram complicações, sendo que 50% destas foram consideradas evitáveis. Estas complicações implicam elevação da permanência hospitalar em 10 a 15 dias, aumento do risco de reinternação (cinco vezes), aumento da necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (1,6%), duplicam a mortalidade e tiveram um custo estimado nos Estados Unidos de 10 bilhões de dólares por ano.
Perante este contexto, a OMS desenvolveu a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, cujo elemento central do trabalho é a formulação dos Desafios Globais para a Segurança do Paciente. A Cirurgia Segura foi escolhida como tópico para o segundo Desafio Global que tem como objetivo aumentar os padrões de qualidade almejados em serviços de saúde de qualquer lugar do mundo, contemplando a prevenção de infecções de sítio cirúrgico, a anestesia segura, equipes cirúrgicas seguras e indicadores da assistência cirúrgica.
Em 2009 foram publicados os primeiros resultados da implementação do checklist do Programa Cirurgias Seguras Salvam Vidas no New England Journal of Medicine, sendo avaliados inicialmente apenas dois parâmetros: grandes complicações e mortalidade. As grandes complicações foram reduzidas de 11 para 7%, significando uma queda significativa de 36% (p<0,001) e a mortalidade caiu de 1 para 0,8% significando uma queda de 47% (p=0,03), comprovando a efetividade da utilização de listas de verificação (checklists) para o aumento da segurança assistencial.
O Time-out faz parte do Checklist do Programa Cirurgias Seguras Salvam Vidas e da 4ª Meta Internacional de Segurança do Paciente da Joint Commission International (JCI) e tem como objetivo principal assegurar cirurgias com local de intervenção correto, procedimento correto e paciente correto (JCI, 2011), sendo caracterizado pela verificação de itens essenciais para a segurança anestésica-cirúrgica antes da incisão cutânea ou início do procedimento invasivo.
Importante salientar que o Time-out ou a verificação pré-operatória tem como propósito não somente conferir se o paciente ou cirurgia estão corretos, mas garantir que todos os equipamentos, materiais e medicamentos estejam disponíveis e identificados; todos os documentos, imagens e estudos relevantes estejam disponíveis e que todos os fatores de risco anestésico-cirúrgico sejam verificados e medidas sejam tomadas para minimizar o seu impacto na assistência.
São considerados pela OMS fatores de risco anestésico-cirúrgico as alergias, via aérea difícil, risco de broncoaspiração, perda sanguínea maior que 500 mL em adultos (7 mL/kg em crianças), entre outros. Todos estes fatores devem ser identificados durante a avaliação pré-anestésica, sendo estas informações primordiais para o planejamento multiprofissional da assistência com segurança. A checagem de segurança da anestesia, que contempla materiais e medicamentos disponíveis e identificados (seringas e soros rotulados), equipamentos conferidos quanto à sua disponibilidade e funcionamento é imprescindível e deve ser realizada previamente à indução anestésica.
Podemos afirmar, portanto, que a realização do Time-out não previne somente cirurgias em pacientes errados ou em locais errados, mas procura assegurar que todos os riscos anestésico-cirúrgicos serão identificados e corrigidos antes do início do procedimento cirúrgico (ou invasivo), além de erros de medicação e falhas de equipamentos, entre outros.
A aplicação destes checklists e de barreiras de segurança na assistência cirúrgica tem apresentado, comprovadamente, resultados positivos quanto à minimização de riscos e aumento da qualidade da assistência. Entretanto, estes princípios ainda são aplicados de maneira inconsistente, mesmo nos cenários mais sofisticados, sendo a sua implementação um desafio nas instituições de saúde, já que depende principalmente da conscientização de pessoas, trabalho em equipe, cultura de segurança, desenvolvimento de atitude segura e implementação de protocolos institucionais.
O objetivo da Campanha “Time-out: Realizar não custa nada. Não realizar pode custar.” que iniciamos em janeiro de 2011 é justamente enfatizar aos profissionais de saúde que uma simples pausa para verificação de itens de segurança, com o envolvimento da equipe multiprofissional, é essencial para prevenção de inúmeros eventos adversos e quase falhas (near miss) que podem ocorrer no período perioperatório. Na maioria das vezes estas complicações são evitáveis, mas podem gerar resultados negativos, como aumento de custos diretos e indiretos e insatisfação do paciente com o desempenho da assistência. Os pacientes querem saúde e não mais tratamentos e medicamentos. Só conseguiremos gerar valor aos pacientes quando entendermos que prevenir eventos adversos relacionados à assistência é muito mais barato do que tratar estas complicações. Devemos, portanto, seguir esta premissa e “repensar a saúde”.
Referências Bibliográficas
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Dra. Fabiane Cardia Salman
Comitê de Qualidade e Segurança - SMA
2 comentários:
Acreditamos também que a satisfação do paciente e demais clientes é que deve ser o que motiva a realização da checagem pré-operatória, ou 'time-out'. Conferir os controles da mesa operatória e tudo mais antes do ingresso do paciente na sala de operações é melhor do que fazê-lo com o paciente já lá dentro. O 'corre-corre' com ênfase na maior produtividade será quase sempre o avesso da qualidade. Sem a particularização do nosso paciente, precisamos confiar que façam o que não podemos vigiar de perto.
Concordo mesmo!
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