Dr. Maurício Nunes Nogueira
Fundador e Coordenador do Serviço de Terapia da Dor do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
A importância do tratamento correto da dor
O tratamento da dor melhora a imunidade do paciente na recuperação imediata e a médio prazo, especialmente nos primeiros 30 dias de pós-operatório. Existem evidências na literatura de que o tratamento agressivo da dor pós-operatória ou de um episódio de dor aguda interfere no sistema imune do paciente, ao mantê-lo menos sujeito a infecções relacionadas à cirurgia e/ou infecções oportunistas. Estudos científicos sobre cirurgia de grande porte de ombro demonstraram que, principalmente em pacientes com idade acima de 65 anos, infecções oportunistas são menos comuns quando a dor pós-operatória é tratada intensivamente. A terapia analgésica correta também diminui o tempo de íleo paralítico pós-operatório, ao reduzir a proliferação bacteriana no trato gastrointestinal e evitar sepses por translocação.
Enfoque multimodal
A fisiopatologia da dor é multifatorial e complexa com liberação de várias substâncias. O mais lógico é a utilização de um esquema analgésico que atue nos diferentes níveis da dor e da resposta inflamatória, para o que são necessários agentes com diferentes mecanismos de ação. Nestes conceitos reside a multimodalidade da analgesia, de forma a reduzir a quantidade individual de cada medicamento, através dos efeitos aditivo e sinérgico entre os fármacos.
Efeito aditivo: Fármaco A aplicado juntamente com o Fármaco B tem ação igual à soma das ações das mesmas doses dos Fármacos A e B, quando administrados separadamente.
Efeito sinérgico: O Fármaco A aplicado juntamente com o Fármaco B tem ação maior que a soma das ações das mesmas doses dos Fármacos A e B quando administrados separadamente.
O enfoque multimodal possibilita uso de menores doses individuais de cada fármaco, minimizando os efeitos adversos potenciais. Para nós, que trabalhamos com dores aguda e crônica, não há discussão quanto à superioridade do enfoque multimodal. Portanto, é melhor utilizar três a quatro medicações analgésicas na prescrição do que apenas uma.
A agressão cirúrgica gera reações locais e sistêmicas pró-inflamatórias que facilitam a transmissão da dor. Um dos principais pilares desta reação é a produção local e no sistema nervoso central de prostaglandinas, que são os principais sensibilizadores dos nociceptores. A analgesia iniciada no intraoperatório tem como objetivo oferecer conforto ao paciente e inibir os reflexos nociceptivos, permitindo que ele respire adequadamente, possa realizar esforço de tosse e movimentar-se, o que vai diminuir muito a morbimortalidade perioperatória. Assim, é preciso, que a abordagem da dor no intraoperatório também seja feita de uma maneira multimodal.
A base da analgesia pós-operatória tem sido a administração de opioides. Esse tipo de medicação associa-se ao aumento da incidência de náuseas, vômitos e/ou íleo paralítico. Nesses casos, o uso de opioides deve ser reduzido, optando-se por uma abordagem multimodal que inclua outras técnicas e medicamentos adjuvantes (AINE, cetamina, e outros), objetivando-se o retorno precoce da motilidade gastrointestinal.
Estudos realizados para determinar qual técnica anestésica determina melhor efeito na recuperação da função intestinal verificaram que a analgesia peridural realizada em nível torácico, apenas com anestésicos locais, causa um bloqueio segmentar simpático toracolombar, que deixa livre a influência parassimpática do nervo vago e das raízes sacras, as quais estimulam a motilidade intestinal e determinam um retorno precoce da função intestinal. A absorção sistêmica do anestésico local também influencia o retorno da motilidade intestinal, provavelmente por ação na musculatura lisa intestinal ou por redução do consumo de opioides. A analgesia peridural com opioides é menos efetiva do que a realizada com anestésicos locais, em termos de redução de íleo paralítico. Por outro lado, a analgesia sistêmica com opioides produz maior redução da motilidade gastrointestinal do que a analgesia peridural com opióides.
O uso de uma abordagem multimodal na analgesia pós-operatória, com a implantação de técnicas e drogas poupadoras de opioides: anestésicos locais, antagonistas de receptores NMDA (cetamina), agonistas adrenérgicos α2 (clonidina, dexmedetomidina), dipirona, antiinflamatórios (AINEs), corticóides – servirão para reduzir a mortalidade do paciente, principalmente a pós-operatória, ainda mais, se aliada a fatores de recuperação acelerada, como alívio do estresse e mobilização precoce. A analgesia, a despeito de ser o principal fator, não é, por si só, capaz de acelerar a recuperação do paciente, mas é capaz de causar um imenso apoio psicológico.
Planejamento da analgesia no intraoperatório
Planejar a analgesia é tão importante quanto planejar a anestesia. Hoje sabemos que as analgesias intra e perioperatórias devem ser instaladas antes do início do trauma cirúrgico: analgesia preemptiva. A analgesia preemptiva significa a utilização de qualquer terapia analgésica administrada antes da lesão, seu objetivo é bloquear ou diminuir a intensidade do estímulo doloroso nas vias aferentes, evitando que ele alcance os neurônios nociceptivos centrais impedindo, assim, a sensibilização central, que é um mecanismo de amplificação da dor pós-operatória. Esta analgesia pode ser realizada em qualquer parte da via dolorosa:
Fármacos utilizados na analgesia preemptiva
Na hiperalgesia primária e secundária:
Os fármacos utilizados na prevenção desta ocorrência são os analgésicos, antiinflamatórios (AINEs), corticóides, antagonistas de receptores NMDA (cetamina), agonistas adrenérgicos α2 (clonidina, dexmedetomidina), e os anestésicos locais empregados em bloqueios antes da incisão. A neuroplasticidade central ou alteração no sistema nervoso central amplificam a dor pós-operatória. Como no pós-operatório ocorrem os dois tipos de hipersensibilização, a analgesia preemptiva deve ser eficaz, dando-se preferência ao tratamento multimodal e promover um sinergismo de ação que interfira nos diferentes mecanismos da dor. É importante lembrar que fatores psicológicos, culturais, experiências anteriores de dor e ansiedade interferem na intensidade da dor pós-operatória; portanto, esta deve ser tratada com drogas específicas associadas à terapia multimodal.
A grande maioria dos anestesiologistas fica temerosa em utilizar uma analgesia mais agressiva no intraoperatorio, com a administração de opioide e/ou cetamina, por achar que o paciente vai permanecer por mais tempo sedado na sala cirúrgica, postergando sua saída para a sala de recuperação pós-anestésica. Na prática diária isto não é real, desde que o paciente não apresente comorbidades que irão contribuir para que tais fatos aconteçam.
Fatores que podem influenciar o planejamento da analgesia
Planejamento da analgesia no intraoperatório
Planejar a analgesia é tão importante quanto planejar a anestesia. Hoje sabemos que as analgesias intra e perioperatórias devem ser instaladas antes do início do trauma cirúrgico: analgesia preemptiva. A analgesia preemptiva significa a utilização de qualquer terapia analgésica administrada antes da lesão, seu objetivo é bloquear ou diminuir a intensidade do estímulo doloroso nas vias aferentes, evitando que ele alcance os neurônios nociceptivos centrais impedindo, assim, a sensibilização central, que é um mecanismo de amplificação da dor pós-operatória. Esta analgesia pode ser realizada em qualquer parte da via dolorosa:
- Na periferia – com a utilização de agentes analgésicos e antiinflamatórios, que vão reduzir a intensidade da inflamação e da sensibilização periférica;
- Na via de condução – com o emprego de anestésicos locais, que vão bloquear o influxo de estímulos ao sistema nervoso central;
- Na medula espinhal – com a administração de opioides (que agem modulando a ação da substância P), anestésicos locais, clonidina ou cetamina (que vão modular a entrada do estímulo);
- Nos centros superiores – com o uso de opioides por via sistêmica.
Fármacos utilizados na analgesia preemptiva
Na hiperalgesia primária e secundária:
Os fármacos utilizados na prevenção desta ocorrência são os analgésicos, antiinflamatórios (AINEs), corticóides, antagonistas de receptores NMDA (cetamina), agonistas adrenérgicos α2 (clonidina, dexmedetomidina), e os anestésicos locais empregados em bloqueios antes da incisão. A neuroplasticidade central ou alteração no sistema nervoso central amplificam a dor pós-operatória. Como no pós-operatório ocorrem os dois tipos de hipersensibilização, a analgesia preemptiva deve ser eficaz, dando-se preferência ao tratamento multimodal e promover um sinergismo de ação que interfira nos diferentes mecanismos da dor. É importante lembrar que fatores psicológicos, culturais, experiências anteriores de dor e ansiedade interferem na intensidade da dor pós-operatória; portanto, esta deve ser tratada com drogas específicas associadas à terapia multimodal.
A grande maioria dos anestesiologistas fica temerosa em utilizar uma analgesia mais agressiva no intraoperatorio, com a administração de opioide e/ou cetamina, por achar que o paciente vai permanecer por mais tempo sedado na sala cirúrgica, postergando sua saída para a sala de recuperação pós-anestésica. Na prática diária isto não é real, desde que o paciente não apresente comorbidades que irão contribuir para que tais fatos aconteçam.
Fatores que podem influenciar o planejamento da analgesia
- Tipo de cirurgia
- Expectativa de dor pós-operatória
- Condição clínica pré-operatória
- Risco/ benefício da técnica selecionada
- Preferência do paciente
- Experiência prévia com dor
Regras práticas para uma boa analgesia intraoperatória
- Planejar a analgesia;
- Tratar a dor aguda, principalmente as de grande intensidade, descendo a escada analgésica da Organização Mundial de Saúde (OMS), começando mais agressivamente com as técnicas e drogas mais potentes e seguindo com as mais fracas;
- Não permitir que seu paciente sinta dor;
- Acreditar no paciente – ele é quem sofre;
- As doses devem ser individualizadas;
- Combinar analgésicos racionalmente;
- Analgésicos são apenas parte do tratamento;
- Não esquecer as medicações adjuvantes, quando possível.
Shir et al concluiu que “um bloqueio completo intraoperatório do sinal aferente para o SNC é fundamental para diminuir a dor pós-operatória.” Precisamos ter amplo conhecimento das modalidades terapêuticas disponíveis, para podermos selecionar a que mais se adapta a cada paciente. Devemos usar drogas seguras e potentes de ação rápida, capazes de debelar a dor intensa rapidamente, e com meia-vida curta, o que evita o acúmulo delas, que é fator de risco para as complicações. No tratamento da dor aguda não se deve usar opioides de ação prolongada (ex. metadona), tampouco as formas de depósito (ex. fentanila transdérmico), justamente por terem cinética de absorção e eliminação prolongadas, que impedem a titulação de dose de modo rápido e seguro ficando o paciente mais suscetível à intoxicação ou com analgesia deficiente. No pós-operatório imediato (sala de recuperação) não existiria o risco de sensibilização central, visto que a analgesia programada para aquele porte cirúrgico foi iniciada antes do procedimento cirúrgico. O verdadeiro sucesso do tratamento da dor no intraoperatório está relacionado com a experiência prévia de cada anestesiologista, bem como no conhecimento das medicações e técnicas de analgesia e no acompanhamento do resultado delas na sala de recuperação pós-anestésica. Atualmente, não são muitos os anestesiologistas que valorizam a importância da reavaliação da dor de seus pacientes, tanto na sala de recuperação pós-anestésica, como no restante do período pós-operatório imediato.
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