Fonte: Avaliação Pré-anestésica em Crianças - Ana Cíntia Carneiro Leão, Débora de Oliveira Cumino e Emília Aparecida Valinetti. Educação Continuada – Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) – texto extraído parcialmente.
4. Sistema Imunológico - Alergias, anafilaxias e reações adversas
Reações cutâneas às drogas são comuns, porém reações graves aos agentes anestésicos são pouco usuais e ocorrem aproximadamente em 1:5.000 a 1:10.000 anestesias. Mais da metade dessas reações é mediada imunologicamente, ou seja, são anafiláticas ou anafilactóides (4). Aproximadamente um terço das crianças que atendemos no consultório de pré-anestésico apresenta alguma história de reação alérgica, como febre do feno, rinite, asma, alergia às medicações ou alimentos. A história de atopia generalizada ou específica a alimentos, como kiwi, abacate, banana e mamão, são reconhecidamente fatores predisponentes às reações ao látex, assim como crianças submetidas a múltiplos procedimentos, portadoras de mielomeningocele e/ou alterações urogenitais. Conforme estudo epidemiológico, os bloqueadores neuromusculares permanecem como os principais agentes etiológicos das reações imunológicas, sendo responsável por 58% dos casos, seguido do látex em 16% e dos antibióticos em 15% (20)0.
5. Febre e Anestesia
São muito comuns crianças que apresentam febre no pré-operatório imediato com aumentos de temperatura de 0,5°C a 1 °C, o que gera o dilema sobre postergar ou não o procedimento. Esse pequeno aumento na temperatura, quando não acompanhado de nenhum outro sintoma, não impede a realização de anestesia geral, uma vez que pode até ser decorrente do jejum prolongado em lactentes e crianças menores, sendo muito frequente nos portadores de Síndrome de Down. Porém, se a febre estiver associada a outros sintomas, como apatia, quadros infecciosos ou desidratação, o procedimento eletivo deverá ser postergado até que ocorra o diagnóstico e a completa recuperação da criança.
6. Medicamentos em uso
É essencial obter uma história medicamentosa completa. Crianças com doença oncológica prévia ou atual devem ter toda quimioterapia bem documentada. Drogas como daunorrubicina e doxorrubicina podem produzir uma miocardiopatia peculiar, dose-relacionada, que exige avaliação com ecocardiografia e a bleomicina pode produzir toxicidade pulmonar. A maioria das crianças, entretanto, tem apenas história de uso de sintomáticos ou antibióticos para tratar pequenas infecções. Deve-se estar alerta para a possibilidade de uso de medicações não prescritas, que podem conter aspirina, anti-inflamatórios e outros compostos com possibilidade de interferir na coagulação. Terapias alternativas e suplementos dietéticos devem ser especificamente questionados, já que 70% dos pacientes e responsáveis não costumam relatar espontaneamente na avaliação pré-operatória (38). Embora se tenha uma proposta saudável, o efeito a curto e longo prazo destes em crianças é desconhecido. O uso de fitoterápicos é descrito em 4 a 17% dos pacientes pediátricos, iniciado por pais ou responsáveis e com baixa incidência de complicações. Enquanto o impacto dos diferentes fitoterápicos não pode ser quantificado e para reduzir a possibilidade de interações anestésicas, tem sido recomendado pela American Society of Anesthesiologists (ASA), a descontinuação dessas medicações duas semanas antes da cirurgia (38). Essa conduta não se baseia em evidência científica e não se conhece se há morbidade com a interrupção abrupta.
7. Jejum e Hidratação
A orientação dos pais em relação ao tempo de jejum necessário antes da cirurgia (Tabela 5) muitas vezes dispensa a associação de solução de glicose com o objetivo de corrigir hipoglicemia diagnosticada no perioperatório (39). A utilização de glicose associada à solução salina (0,9%) ou Ringer Lactato pode conferir um caráter hipotônico à solução. As soluções hipotônicas possuem maior teor de água livre de eletrólitos favorecendo hiponatremia dilucional, que dependendo da gravidade pode ser responsável por encefatopatia até morte (40). Recentemente, foi realizado um amplo levantamento no Reino Unido para avaliar o tipo de solução utilizada em crianças pelos anestesiologistas no perioperatório (41). Os autores concluíram que o uso de soluções hipotônicas em crianças pode colocá-las em risco para o desenvolvimento de hiponatremia iatrogênica e sugerem que esta complicação pode ser evitada, quando os pais são orientados em relação ao tempo de jejum e pela realimentação oral no pós-operatório, tão logo seja possível.
Referências Bibliográficas
4. COTÉ CD, TODRES ID, RYAN JF et al. Preoperative Evaluation of Pediatric Patients. In: Coté CD. Pediatric Anesthesia. 3.ed. Philadelphia: WB Saunders, 2001, p. 37-54.
20. MERTES PM, LAXENAIRE MC, ALLA F et al. Anaphylactic and anaphylactoid reactions occurring during anesthesia in France in 1999-2000. Anesthesiology, 2003;99:536-545.
38. ALEXANDER JA. The potential hazards of used and abused perioperative drugs, herbs and dietary supplements. ASA Refresh Courses Anesthesiol, 2006;34:1-19.
39. COOK-SATHER SD, HARRIS KA, CHIAVACCI R et al. A liberalized fasting guideline for formula-fed infants does not increase average gastric fl uid volume before elective surgery. Anesth Analg, 2003;96:965-969.
40. STEPHENSON T. Infusions in children. Royal Coll Anaesthetists Bull, 2003;18:909-910.
41. WAY C, DHAMRAIT R, WADE A et al. Perioperative fl uid therapy in children: a survey of current prescribing practice. Br J Anaesth, 2006;97:371-379.
Nenhum comentário:
Postar um comentário