Assim como o bom suprimento de oxigênio melhora a performance das células de defesa e dos anticorpos, a manutenção da perfusão tissular é vital, pois a hipovolemia e hipoxemia atentam contra a integridade de todas as mucosas (intestinal, urinária, brônquica) e favorecem o processo séptico. A carência de ferro e a anemia também agem de formas diversas sobre os componentes da resposta imunológica.
Evitar Sangue e Derivados, na medida do possível
A transfusão de hemáceas e de outros hemocomponentes/hemoderivados deve ser indicada de modo restrito. A transfusão de sangue em pacientes que não exibem sangramento ativo, com doença cardíaca preexistente, com hemoglobina de 7,0 g/dL a 9,0 g/dL e pacientes com escore de APACHE II alto, deverá ser avaliada de forma criteriosa, pois múltiplos estudos tem identificado que a exposição aos produtos alogênicos do sangue apresenta riscos para infecções pós-operatórias, especialmente pneumonias (AMERICAN THORACIC SOCIETY, 2005).
Apesar de não haver diretrizes definitivas, transfusão de sangue e derivados é cogitada no transoperatório, quando o hematócrito (Ht) cai abaixo de 23 e a hemoglobina (Hb) abaixo de 9g/dL acompanhada de importante desequilíbrio hemodinâmico. A mudança imunológica decorrente da transfusão explica incremento da infecção na ferida operatória (11%) nos pacientes transfundidos em relação aos não transfundidos (4%), isto é, um aumento do risco de contaminação em torno de 7% (NORTCLIFFE, 2003; SHEFFIELD, 1994; AITKENHEAD, 2005; VAMVAKAS, 1998).
Alguns autores já sugeriram ainda que os leucócitos presentes no sangue transfundido com seus efeitos imunomodulatórios seriam os responsáveis pela predisposição à infecção da ferida cirúrgica (BLUMBERG, 1996). Metanálise de estudos com distribuição aleatória dos pacientes sobre o assunto não demonstrou superioridade da leucorredução na diminuição de infecção; contudo, quando foram excluídos os pacientes que não necessitaram de transfusões, foi observada redução da infecção da ferida cirúrgica (FERREIRA, 2009; FERGUSSON, 2004).
Evitar Hipovolemia
A pressão de oxigênio alveolar (PaO2) depende da volemia e do débito cardíaco para garantir a perfusão e a oxigenação dos tecidos. Perdas sanguíneas ou de líquido para o terceiro espaço podem estar associadas com menor perfusão e aumento da incidência de infecção cirúrgica. A reposição hidro-eletrolítica transoperatória deve ser criteriosa, buscando manter a homeostase, a não ser na presença de doença concomitante descompensada a nível cardíaco e/ou renal (ASA > III) (NORTCLIFFE, 2003; JONSSON, 1991; SCHMIED, 1996).
Devemos sempre buscar a manutenção da euvolemia baseada em parâmetros clínicos e de monitorização e manter precaução em relação à reposição hídrica agressiva com cristaloides e/ou coloides, já que esta pode diminuir a função pulmonar e levar a edema de alças intestinais, atrasando a recuperação de sua função.
Evitar Anemia
A resposta imune envolve mecanismos de defesa intimamente relacionados, como fagocitose, produção de anticorpos e resposta imune celular mediada por linfócitos T do sangue e dos tecidos periféricos. Existem fortes evidências de que a carência de ferro está associada a uma diminuição da atividade bactericida dos leucócitos polimorfonucleares e a um déficit na resposta imunocelular, especialmente contra S. aureus e C. albicans (WEINBERG, 1992).
Tem sido demonstrado, em diversos estudos, que a anemia no período intra e pós-operatório é fator de risco para o desenvolvimento de infecção hospitalar. Por outro lado, tem sido cada vez mais evidente a participação central dos monócitos e macrófagos na patogênese da anemia (CANÇADO, 2002; FILLET, 1989), comprovando a associação entre transfusões e infecção nos pacientes submetidos à operação cardíaca, ortopédica, trauma e colorretal, bem como diminuição da infecção pós-operatória com utilização de sangue autólogo (BLUMBERG, 1996).
Diminuir quando possível o gatilho transfusional, dar preferência a sangue estocado por menos de 14 dias e, quando possível, utilizar filtros de leucócitos. Deve-se considerar ainda a transfusão com sangue autólogo, visto que o risco de infecção é menor quando comparado com o alogênico (KOCH, 2008).
Continue acompanhando os 10 highlights:
1. Higienização das mãos
2. Cuidados durante acesso vascular, procedimentos invasivos e bloqueios regionais
3. Controle da glicemia
4. Controle da temperatura corporal
5. Manobras de ventilação e oxigenação
6. Cuidados com os equipamentos e materiais utilizados em anestesia
7. Administração de Antibióticos – dose certa, hora certa, antibiótico certo
8. Estratégias de reposição volêmica – hidratação e transfusão
9. Administração de medicamentos (próximo!)
10. Analgesia Adequada no Pós-Operatório
Referências:
AITKENHEAD AR. Injuries associated with anaesthesia. A global perspective. Brit J Anaesth, 2005; 95:95-109.
AMERICAN THORACIC SOCIETY. Guidelines for management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 2005; 171: 388-416.
BLUMBERG N, HEAL JM. Immunomodulation by blood transfusion: an evolving scientific and clinical challenge. Am J Med, 1996; 101:299-308.
CANÇADO RD, CHIATTONE CS. Anemia de Doença Crônica. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. vol.24 no.2 São José do Rio Preto Apr./June 2002.
FERREIRA FAPB, MARIN MLG, STRABELLI TMV, CARMONA MJC - Como o Anestesiologista Pode Contribuir para a Prevenção de Infecção no Paciente Cirúrgico. Rev Bras Anestesiol 2009; 59: 6: 756-766.
FILLET G, BEGUIN Y, BALDELLI L. Model of reticuloendothelial iron metabolism in humans: abnormal behavior in idiopathic hemochromatosis and in inflammation. Blood, 1989; 74:844-851.
HERSHKO, C. Iron, infection and immune function, proc Nutr Soc, 52: 165-74., 1993.
JONSSON K, JENSEN JA, GOODSON III WH ET AL. Tissue oxygenation, anemia, and perfusion in relation to wound healing in surgical patients. Ann Surg 1991; 214: 605–613.
KOCH CG, LI L, SESSLER DI et al. Duration of red-cell storage and complications after cardiac surgery. N Engl J Med, 2008;358:1229-1339.
KURZ A, SESSLER DI, LENHARDT R. Perioperative normothermia to reduce the incidence of surgical-wound infection and shorten hospitalization. N Engl J Med 1996; 334:1209–1215.
NORTCLIFFE SA, BUGGY D J. Implications of Anesthesia for Infection and Wound Healing Int Anesthesiol Clin 2003; 41: 31-64.
SCHMIED H, KURZ A, SESSLER DI et al. Mild hypothermia increases blood loss and transfusion requirements during total hip arthroplasty. Lancet 1996; 347:289–292.
SHEFFIELD CW, SESSLER DI, HUNT TK. Mild hypothermia during isoflurane anesthesia decreases resistance to E. coli dermal infection in guinea pigs. Acta Anaesthesiol Scand. 1994;38:199-200.
VAMVAKAS EC, CARVEN JH. Transfusion of white-cell containing allogeneic blood components and postoperative wound infection: effect of confounding factors. Transfus Med 1998; 8:29–36.
WEINBERG, E. Iron depletion: A defense against intracellular infection and neoplasia. Lif Sci, 50: 1289-97, 1992
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