A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é conceituada como a infecção do parênquima pulmonar que ocorre após 48 horas de intubação ou ventilação mecânica. É a segunda infecção hospitalar (IH) mais frequente, variando a sua incidência de 6,8 a 32,3%. Dependendo da patologia de base e do agente causal, pode atingir 25 a 50% dos pacientes que necessitam de ventilação mecânica, a despeito dos avanços na terapia antimicrobiana, da melhoria dos cuidados de suporte e das medidas de diagnóstico e de prevenção. Aumenta, portanto, a morbimortalidade, os custos e o tempo de internação de forma impactante. (CDC; HARINGER, 2009; PRODE, 1995; FOGLIA, 2007, SBPT, 2007).
A PAV pode ser decorrente de:
- Invasão do parênquima pulmonar estéril;
- Quebra da barreira protetora pela intubação orotraqueal;
- Aspiração de microorganismos da orofaringe e vias aéreas superiores;
- Aspiração do conteúdo gástrico;
- Alteração da flora normal por flora hospitalar;
- Disseminação de infecções da corrente sanguínea;
- Nebulizadores, circuitos e umidificadores contaminados;
- Diminuição de reflexo de tosse pela sedação.
(HUNTER, 2006; DAVIS, 2006)
Utilização de Oxigênio Suplementar Perioperatório e Infecção Hospitalar
A ventilação e a oxigenação adequadas são fatores importantes na profilaxia de infecções respiratórias em anestesia (GREIF, 2000). A atividade de fagocitose dos polimorfonucleares depende do teor de oxigênio nos tecidos. A suplementação e o fornecimento adequados de oxigênio devem ser fornecidos ao paciente séptico no período perioperatório, pois pode influir na redução de incidência de infecção cirúrgica, especialmente por bactérias anaeróbicas (NORTCLIFFE, 2003; ROBERT, 2000; JONSSON, 1988).
Alguns estudos relacionam que os fatores responsáveis pela lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica são: a hiperdistensão da vias aéreas, promovida pela ventilação com pressão positiva, o recrutamento a volume (tidal recruitment), a lesão induzida pela abertura (inspiração) e pelo fechamento (expiração) e os ciclos das áreas colapsadas do pulmão acometido pela SARA. Esses fenômenos promovem lesão mecânica do parênquima, perpetuando o quadro de SARA. A estratégia de ventilação protetora, dentre outros aspectos, minimizaria o impacto destas lesões. Por outro lado, estudos citam como estratégia para se evitarem complicações pulmonares perioperatórias e consequentemente infecções secundárias às atelectasias intraoperatórias:
- Evitar altas frações inspiradas de oxigênio (minimiza a formação de novas atelectasias);
- Realizar manobras intraoperatórias de recrutamento alveolar;
- Utilização de PEEP (Pressão Positiva ao Final da Expiração) em níveis adequados.
(MALBOUISSON, 2008; NEUMANN, 1999)
Acredita-se que a abertura dos territórios colapsados é dependente de pressões elevadas e do tempo necessário para vencer a pressão de abertura (40 cm H2O por 30 segundos reexpande áreas de atelectasias de um pulmão normal sob anestesia geral). A necessidade de recrutamentos sucessivos pode ser indicação de que o nível de PEEP não foi suficiente para prevenir o recolapso pulmonar.
As manobras de recrutamento alveolar: reduzem a lesão pulmonar pela ventilação mecânica; diminuem o tempo para extubação; minimizam o tempo de internação em unidades de tratamento intensivo; diminuem a incidência de pneumonia e, consequentemente, diminuem custos hospitalares. Elas devem ser realizadas sempre com o paciente em equilíbrio hemodinâmico. Além disso, a partir do melhor aproveitamento de determinada fração inspirada de oxigênio, caracterizado por aumento na pressão arterial de oxigênio, podem-se conseguir os benefícios já descritos com as altas frações inspiradas, segundo citado por BRISMAR, 1985; AULER, 2007; FERREIRA, 2009.
O quadro abaixo mostra alguns dos fatores de risco independentes para pneumonia associada à ventilação mecânica citados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia em publicação de 2007.
Quadro 1 - Fatores de risco independentes para pneumonia associada à ventilação mecânica
Adaptado do J Bras Pneumol – Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, 2007.
A otimização pré-operatória da função respiratória é de fundamental importância. O abandono do uso do cigarro está associado à diminuição do risco de complicações perioperatórias. A avaliação pré-operatória da função respiratória deve ser minuciosa, incluindo história clínica, exame físico com ausculta de ambos os pulmões e exame cuidadoso da boca e via aérea (região cervical, mobilidade da mandíbula e dentição) (FERNANDES, 2002). Existe correlação entre boa preservação dentária e função respiratória adequada em idosos (OSTERBERG, 1995).
Quanto à intubação, o sítio de inserção deverá ser avaliado, devendo-se evitar o uso de tubos nasotraqueais, pelo risco de sinusite. Esforços devem ser feitos para evitar a aspiração de bactérias da orofaringe ao redor do cuff do tubo e do trato respiratório inferior, limitando o uso de sedativos e agentes paralisantes, que possam deprimir a tosse e outros mecanismos de proteção, e mantendo a pressão do cuff em 20 cm de água.
Em trabalho publicado por CARMO NETO em 2006 foi desenvolvido um protocolo de prevenção idealizado com o intuito de aumentar a adesão dos profissionais que prestam assistência ventilatória pela sua execução simples. Fundamenta-se no tripé:
- Posição semi-recumbente no leito (ângulo formado pela linha médio axilar, até o grande trocanter do femur e o plano horizontal do leito, a mais de 45 graus, medido por goniômetro),
- Aspiração com técnica asséptica e
- Intubação endotraqueal com técnica e paramentação padronizados com intuito de reduzir qualquer contato do tubo traqueal com quaisquer superfícies contaminadas que não a própria cavidade orofaríngea do paciente.
Importante salientar que a posição supina pode também facilitar a aspiração, enquanto esta se reduz com a posição semi-recumbente.
Continue acompanhando os 10 highlights:
1. Higienização das mãos
2. Cuidados durante acesso vascular, procedimentos invasivos e bloqueios regionais
3. Controle da glicemia
4. Controle da temperatura corporal
5. Manobras de ventilação e oxigenação
6. Cuidados com os equipamentos e materiais utilizados em anestesia (próximo!)
7. Administração de Antibióticos – dose certa, hora certa, antibiótico certo
8. Estratégias de reposição volêmica – hidratação e transfusão
9. Administração de medicamentos
10. Analgesia Adequada no Pós-Operatório
Referências:
AULER JR JOC, NOZAWA E, TOMA EK et al. - Manobra de recrutamento alveolar na reversão da hipoxemia no pós-operatório imediato em cirurgia cardíaca. Rev Bras Anestesiol, 2007;57:476-488.
BRISMAR B, HEDENSTIERNA G, LUNDQUIST H et al. – Pulmonary densities during anesthesia with muscular relaxation: a proposal of atelectasis. Anesthesiology, 1985;62:422-428.
CARMO NETO E, SOUZA PC, AZEVEDO F; LUGARINHO ME. Pneumonia associada à ventilação mecânica: análise de fatores epidemiológicos na confecção de estratégias de profilaxia e terapêutica. Rev. Bras. Ter. intensiva vol.18 no.4 São Paulo Oct/Dec. 2006.
FERNANDES CR, RUIZ NETO PP. O sistema respiratório e o idoso: implicações anestésicas Rev. Bras. Anestesiol. vol.52 no.4 Campinas July/Aug. 2002.
FERREIRA FAPB, MARIN MLG, STRABELLI TMV, CARMONA MJC. Como o Anestesiologista Pode Contribuir para a Prevenção de Infecção no Paciente Cirúrgico. Rev Bras Anestesiol 2009; 59: 6: 756-766.
FOGLIA E, MEIER MD, ELWARD A. Ventilator-Associated Pneumonia in Neonatal and Pediatric Intensive Care Unit Patients. Clinical Microbiology Reviews, July 2007, p. 409-425, Vol. 20, No. 3.
GREIF R, AKCA O, HORNE P, et al. Supplemental perioperative oxygen to reduce the incidence of surgical wound infection. N Engl J Med 2000; 342:161–167.
HARINGER DMC. Ventilator-associated pneumonia. Pulmao RJ 2009; Supl 2:S37-S45.
HUNTER JD. Ventilator associated pneumonia. Postgrad Med J. 2006 Mar;82 (965):172-8. Review.
JONSSON K, HUNT TK, MATHES SJ -. Oxygen as an isolated variable influences resistance to infection. Ann Surg 1988; 208:783–787.
MADER JT, BROWN GL, GUCKIAN JC, et al. A mechanism for the amelioration by hyperbaric oxygen of experimental staphylococcal osteomyelitis in rabbits. J Infect Dis 1980; 142:915–922.
MALBOUISSON LMS, HUMBERTO F, RODRIGUES RR et al. – Atelectasias durante anestesia: fisiopatologia e tratamento. Rev Bras Anestesiol, 2008;58:73-83.
NEUMANN P, ROTHEN HU, BERGLUND JE et al. - Positive end-expiratory pressure prevents atelectasis during general anaesthesia even in the presence of a high inspired oxygen concentration. Acta Anaesthesiol Scand, 1999;43:295-301.
NORTCLIFF SA, BUGGY DJ - Implications of Anesthesia for Infection and Wound Healing Int Anesthesiol Clin 2003;41: 31-64.
OSTERBERG T, ERA P, GAUSE-NILSON I et al - Dental state and functional capacity in 75-year-olds three Nordic localities. J Oral Rehabil, 1995;22:653-660.
PRODE SS, OLIVEIRA ST, RRODRIGUES R, NUNES FA, NETO EM, FELIX .Q, et al. Estudo Brasileiro da Magnitude das Infecções Hospitalares em Hospitais Terciários. Rev Contr Infec Hosp 1995;22(2):11-24.
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. Diretrizes Brasileiras para o tratamento da pneumonias adquiridas no hospital e das pneumonias associadas a ventilação mecânica. J Brasil Pneumol 2007. p.1-30.
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